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Rede de Recursos Sociais da CR-1: um exemplo de educação social para crianças e adolescentes de baixa renda – Red de Recursos Sociales de la CR-1: un ejemplo de educación social para niños y adolescentes de bajos ingresos

Autoría:

Vinicius Bandera

Resumen

O presente texto relata a experiência de um projeto e programa, denominado Rede de Recursos Sociais da CR-1, que foi aplicado na cidade do Rio de Janeiro, Brasil, com o escopo de unir em parcerias pessoas físicas e jurídicas para maximizar o atendimento a crianças e adolescentes de baixa renda. A Rede tinha uma base teórico-metodológica que visava despertar e desenvolver consciência crítica em educadores sociais e em crianças e adolescentes por ela atendidos. Veremos, ao longo deste texto, que seus resultados foram plenamente satisfatórios, ainda mais se considerarmos que as parcerias não envolviam dinheiro, mas se baseavam em ofertas voluntarias de recursos sociais feitas pelos parceiros. A Rede é, portanto, um exemplo de vontade coletiva, solidária,  fraterna e conscientizadora, colocada a serviço de crianças e adolescentes desfavorecidos socialmente.

En este texto se relata la experiencia de un proyecto y programa, llamado Rede de Recursos Sociais da CR-1, que fue aplicado en la ciudad de Rio de Janeiro, Brasil, con el objetivo de desarrollar esfuerzos para maximizar la atención a niños y adolescentes de bajos ingresos. La Red era una asociación de instituciones y también de personas voluntarias que tenía un proyecto (teoría y metodología) que buscaba despertar y desarrollar conciencia crítica en los niños y los adolescentes, y también en los educadores sociales que cuidaban de ellos. Veremos, a través del texto, que sus resultados fueron muy satisfactorios. Más aún porque los esfuerzos no implicaron el uso de dinero, sino que se basaron en ofertas de los recursos sociales hechos por las instituciones y voluntarios. La Red es, por lo tanto, un ejemplo de la voluntad colectiva, solidaria,  fraterna y concientizadora, que se puso al servicio de niños y adolescentes desfavorecidos socialmente.

1. O que foi a Rede de Recursos Sociais da CR-1

A Rede de Recursos Sociais da CR-1, a qual denominaremos Rede daqui por diante, foi um programa da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (SMDS) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ). CR era a abreviatura usada para designar Coordenadoria Regional. A CR-1 era a 1ª Coordenadoria Regional de Desenvolvimento Social da cidade do Rio de Janeiro, responsável pelo atendimento social nos bairros e locais em torno do centro da cidade: Aeroporto, Bairro de Fátima, Benfica, Caju, Cais do Porto, Catumbi, Centro, Cidade Nova, Estácio, Gamboa, Mangueira, Paquetá, Praça Mauá, Rio Comprido, São Cristovão, Santa Teresa, Santo Cristo, Saúde e Triagem. Além da CR-1, havia mais nove CRs na cidade do Rio de Janeiro, cada uma responsável por atuar em uma determinada área geográfica.

É importante registrar que a Rede não era um programa oficial da SMDS nem da CR-1, mas um programa que foi agregado oficiosamente à CR-1 como veremos mais à frente no item 3. A SMDS tinha um núcleo central de criação de programas, os quais deveriam atuar em todas as CRs, cada um com pelo menos um supervisor, além de funcionários de apoio. Havia programas voltados para todas as faixas etárias (crianças, adolescentes, adultos e terceira idade). Além de aplicar os programas, as CRs também tinham a função de interagir com as  comunidades pobres de sua área geográfica, visitando-as para trocar informações sobre questões sociais específicas de cada comunidade. Havia também uma reunião quinzenal entre a coordenação da CR e lideranças de comunidades da sua área geográfica para discutir assuntos de comuns interesses.

Cartel Red de Recursos Sociales de laCR-1

Entendido o  significado de  CR-1, vamos buscar entender o que foi a  Rede como projeto (teoria) e como programa (prática), para, em seguida, descrevermos como ela foi construída. Como o próprio nome sugere, a Rede consistia em uma parceria informal (sem necessidade que os parceiros firmassem qualquer contrato) envolvendo instituições públicas e privadas (geralmente ONGs), além de pessoas físicas autônomas.  Essa parceria se dava a nível voluntário, ou seja, todos os parceiros ofereciam seus recursos sem  serem remunerados por isso. O primeiro passo da Rede consistiu na formação de um banco de dados a partir dos recursos oferecidos voluntariamente por seus parceiros. Como isto se acontecia?  Cada instituição parceira oferecia o recurso que pudesse: aulas de informática, de línguas, prática de esportes, dança, teatro, atendimento médico, odontológico e/ou psicológico, cursos profissionalizantes (garçon, pintura, costura, eletricidade, mecânica de automóveis, etc.), oficina de leitura e de interpretação de textos, exibição de filmes, palestras com debates, estágios de emprego, visitas a bibliotecas e museus, passeios e vários outros recursos. De posse de todos esses recursos, a coordenação da Rede montou um banco de dados no qual foram classificados recurso por recurso, cada um com suas informações específicas e pré-requisitos. Por exemplo, dias e horários dos recursos oferecidos, público-alvo (masculino e/ou feminino, faixa etária, escolaridade, etc), documentação exigida, autorização dos pais, etc. Como àquela época, 1998/1999, ainda não havia uma grande disseminação da internet no Brasil nem uma massificação de usuários de computadores, a divulgação dos recursos da Rede acontecia principalmente através de uma lista digitada dos recursos oferecidos. A coordenação da Rede entregava essa lista para escolas públicas, associação de moradores, parceiros da Rede e usuários dos recursos da Rede. A grande maioria dos recursos oferecidos era grátis, havendo uma pequena minoria que o usuário deveria pagar uma pequena taxa de manutenção.
  
A Rede era um modelo de educação social voltado principalmente para crianças e adolescentes de baixa renda, embora também tivesse atividades para adultos e idosos, que tinha como pressuposto investir em despertar e desenvolver consciência crítica, solidariedade e fraternidade em seu público-alvo, sem envolver nenhum tipo de pregação e/ou prática política partidária, mercadológica e/ou religiosa. A meta precípua da Rede era despertar e promover a conscientização pessoal e social em seu público-alvo, ajudando-o a elevar-se do pântano do senso comum para o nível da consciência crítica (Gramsci), acreditando que assim procedendo estaria ajudando seus usuários (sobretudo os adolescentes) a fortalecer o seu poder de discernir sobre a realidade, o que era uma forma de combater a alienação e a escolha de opções prejudiciais à saúde e à vida.

Curso. Grupo

Com o desenvolvimento da Rede, passou a haver palestras-debates e cursos voltados para educadores sociais, principalmente os que trabalhavam com crianças e adolescentes de baixa renda e/ou em risco social. O trabalho na área de desenvolvimento social não deve ser realizado de forma meramente empírica nem de improviso, na base do aprender ensaiando (acertando e errando). Requer um constante aperfeiçoamento de seus educadores, mormente aqueles que estão no dia a dia com os usuários, com sua clientela. É um trabalho  que deve ter um cunho científico envolvendo várias áreas de conhecimento, mesclando teoria com prática, uma alimentando a outra, através de um processo dialético, para que, frequentemente, produzam-se saltos de qualidade que tragam benefícios para os educadores e, mais ainda, para os educandos. A Rede entendia que o educador social deveria ser dotado de consciência crítica para melhor entender a realidade social e poder conscientizar as crianças e adolescentes sob a sua responsabilidade educativa. A Rede usava duas consignas nos folders dessas palestras- debates: “Mais vale um analfabeto com consciência crítica do que um doutor alienado” e “O pior analfabeto é o que não sabe ler nem escrever o social”. Assim, a Rede estava afinada com o célebre poema de Brecht:

O analfabeto político

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, não participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância nasce a prostituta, o menor abandonado, o assaltante e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e o espoliador das empresas nacionais e multinacionais (Brecht, www.pucrs.br/mj/poema-patria-39.php).

Curso

As palestras-debates e os cursos buscavam aliar teoria e prática sobre diversas áreas de conhecimentos (Sociologia, Psicologia, Pedagogia, Saúde, Direito, dinâmica de grupo, Neurolinguistíca, Teatro do Oprimido, etc.), trazendo contribuições para ajudar os educadores sociais em suas atividades cotidianas com crianças e/ou adolescentes. O objetivo precípuo dessas palestras e cursos era que os educadores sociais não fossem meros assistentes, mas que trouxessem seus conhecimentos e experiências no sentido de suscitar debates. Assim, a Rede buscava afastar-se da educação bancária, burocratizada, alienadora e aproximar-se da educação conscientizadora, promotora de autonomia no pensar e no agir, tal como propõe o Método Paulo Freire, entendendo que quanto mais indivíduos conscientizados pessoal e socialmente mais se revigora a qualidade cidadã de uma nação.

FreireA Rede se colocava ostensivamente sob o viés de teorias críticas, as quais acreditam que não existe uma neutralidade ideológica no campo dos saberes; pelo contrário, cada campo de saber é produto de uma concepção ideológica que serve de base para construir a sua concepção teórico-metodológica. Paulo Freire é enfático ao analisar essa questão, considerando que não existe uma “educação neutra” (Freire, 2003:25) e que “toda prática educativa envolve uma postura teórica por parte do educador” (Freire,1982:42). Ilustrando esta afirmação, ele assinala que a educação burguesa “começou a se constituir, historicamente, muito antes da tomada do poder pela burguesia” (Freire,2003:24). Ou seja, antes de se constituir como classe dominante, a burguesia já tinha uma ideologia definida que serviu de arrimo para que ela construísse um mundo à sua semelhança quando da tomada do poder político. Assim, “não foi, por exemplo – costumo dizer -, a educação burguesa que criou ou enformou a burguesia, mas a burguesia que, chegando ao poder, teve o poder de sistematizar a sua educação” (Freire,2003:24). Neste aspecto, Freire se mostra um caudatário da teoria marxiana, embora ele não fosse um marxista, mas um conscientizador progressista que tinha por método uma educação libertadora promotora de uma interação entre educadores e educandos e de ambos com a realidade sociocultural comum, buscando, com isto, despertar e desenvolver consciência crítica a salvo de quaisquer dogmas ideológicos e/ou políticos, fossem de natureza laica ou religiosa, o que conduz necessariamente à tomada de posição sobre questões diversas, pois “não sendo neutra, a prática educativa, a formação humana, implica opções, rupturas, decisões, estar com e pôr-se contra, a favor de um sonho e contra outro, a favor de alguém e contra alguém” (Freire,2001:39).
      
Complementando este pensamento que acabamos de resumir sobre o Método Paulo Freire, a Rede se pautava pela compreensão de que o educador social deve chamar para si a responsabilidade e a missão de ser um filósofo de maneira crítica e consciente, tal como questiona Gramsci:

“(…) é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, de uma maneira dasagregada e ocasional, isto é, “participar” de uma concepção do mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos muitos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência  para  a ação), ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira consciente e crítica e, portanto, em ligação com esse  trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar  ativamente na  rodução da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não  mais aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria  personalidade?” (Gramsci,2004:93-94).

A Rede também entendia que os educadores sociais, e os indivíduos em geral, não deveriam aceitar o estabelecido, o “normal”, como algo petrificado, mas como algo passível de ser questionado e aperfeiçoado constantemente em favor de uma democracia mais ampla e profunda que leve qualidade de vida a toda sociedade, não somente a uns poucos em detrimento de muitos. Enfim, uma democracia ampla e profunda que pressione por uma justiça social também ampla e profunda, o que nos faz lembrar da peça A exceção e a regra, escrita por Brecht, cujo trecho final traz os seguintes dizeres:

“Assim termina a história de uma viagem que vocês viram e ouviram. E viram o que é comum, o que está sempre ocorrendo. Mas a vocês nós pedimos, no que não é de estranhar, descubram o que há de estranho! No que parece normal, vejam o que há de anormal! No que parece explicado, vejam o quanto não se explica! E no que parece comum, vejam como é de espantar! Na regra, vejam o abuso! E onde o abuso apontar, procurem remediar!” (Brecht, 1977:246-247).

GruposA Rede também levava palestras-debates para pais e mães de crianças e adolescentes que usufruíam de programas da CR-1, principalmente o programa Bolsa-alimentação, o qual consistia na doação de gêneros alimentícios de primeira necessidade a famílias de baixa renda. Essas palestras-debates eram voltadas para prevenção do uso de drogas, prevenção da AIDS e doenças sexualmente transmissíveis (DST), prevenção da gravidez precoce, prevenção da violência doméstica (principalmente contra a mulher e crianças), alimentação saudável, a importância da prática de atividades físicas, relação pais e filhos, etc. O objetivo era contribuir para que pais e mães pudessem proporcionar uma educação de melhor qualidade  para seus filhos, buscando evitar que os mesmos trilhassem o caminho da marginalidade e/ou criminalidade. O referencial teórico-metodológico utilizado nessas palestras era o mesmo utilizado em quaisquer atividades da Rede: basicamente Gramsci, Brecht e Paulo Freire, além do método do Teatro do Oprimido, criado por Augusto Boal, que consiste, como podemos compreender no livro Teatro do oprimido e outras poéticas políticas, escrito por Boal, em um avanço em termos de democracia e conscientização em relação aos métodos dramatúrgicos de Aristóteles e de Brecht. No teatro aristotélico, os espectadores recebem passivamente os valores transmitidos pela obra dramatúrgica fechada em si, a qual não pode ser alterada, fazendo com que as personagens pensem e atuem pelos espectadores. Na concepção brechtiana, há um processo de conscientização que conduz à possibilidade de transformação, pois a intenção fundamental é que o espectador se distancie da peça que assiste, exercendo sua capacidade de abstração e pense por si, em lugar de delegar esta prerrogativa aos personagens. O espectador pode pensar, abstrair, mas não pode atuar no lugar dos personagens. O que funda o Teatro do Oprimido é justamente a abertura para que o espectador pense e atue por si mesmo, não delegando estes essenciais papéis aos personagens. O Teatro do Oprimido investe em que todo espectador seja ao mesmo tempo ator e vice-versa, pensando e atuando simultaneamente, não havendo espaço para a passividade, para a condição de objeto. Todos são sujeitos do pensar e do agir concomitantemente.

“(…) a poética de Aristóteles é a Poética da Opressão: o mundo é dado como conhecido, perfeito ou a caminho da perfeição, e todos os seus valores são impostos aos espectadores. Estes passivamente delegam poderes aos personagens para que atuem e pensem em seu lugar. Ao fazê-lo, os espectadores se purificam de sua falha trágica – isto é, de algo capaz de transformar a sociedade. Produz-se a catarse do ímpeto revolucionário! A ação dramática substitui a ação real.

A poética de Brecht é a Poética da Conscientização: o mundo se revela transformável e a transformação começa no teatro mesmo, pois o espectador já não delega poderes ao personagem para que pense em seu lugar, embora continue delegando-lhe poderes para que atue em seu lugar. A experiência é reveladora ao nível da consciência, mas não globalmente ao nível da ação. A ação dramática esclarece a ação real. O espetáculo é uma preparação para a ação.

A poética do oprimido é essencialmente uma Poética da Liberação: o espectador já não delega poderes aos personagens nem para que pensem nem para que atuem em seu lugar. O espectador se libera: pensa e age por si mesmo! Teatro é ação!” (Boal, 1975:168-169).

ActividadesDe modo que, a Rede, ao se basear nas concepções teórico-metodológicas que vimos de ver, buscava incutir em seus usuários (sobretudo crianças e adolescentes) e em seus parceiros uma proposta de pensar juntos e agir juntos, sob um processo comum de conscientização pessoal e social. Essas concepções levaram a coordenação da Rede a criar um projeto denominado Projeto Conscientização Pessoal e Social que tinha o escopo de levar cursos, palestras-debates e informações (através de textos curtos) a escolas, associações de moradores, ONGs, etc.

2. Estrutura funcional da Rede

A  Rede atuava, simultaneamente, com duas centrais que se integravam: a Central de Atendimentos de Solicitações de Recursos e a Central de Criação e Coordenação de Atividades de Desenvolvimento Social. Cabia à primeira central, receber solicitações que chegavam à Rede e encaminhá-las às instituições adequadas em atendê-las, após um prévio contato nesse sentido. Nessa central localizava-se o Banco de Dados da Rede, onde constavam os serviços, profissionais e espaços físicos colocados à disposição pelos parceiros da Rede, tanto pessoas jurídicas quanto pessoas físicas. Parceiros esses que, em oito meses de funcionamento da Rede, chegaram a ser 87.

A outra central era o elemento dinâmico da Rede, tendo a função de elaborar e colocar em prática atividades de desenvolvimento social, como palestras-debates sobre DST/AIDS, drogas, cidadania, discriminação étnica, sexualidade, gravidez precoce, orientação para o trabalho, adolescência, família, Estatuto da Criança e do Adolescente, História, Filosofia, Sociologia,etc.; oficinas de leitura e interpretação de textos, neurolinguística, esportes, teatro, música, etc.; passeios, visitas pedagógicas a museus e bibliotecas; cursos de capacitação para educadores sociais que trabalhavam com crianças e adolescentes; cursos profissionalizantes; projeção de filmes com debates ao final. Essa central também tinha por objetivo a criação de um Banco de Estágios para Adolescentes e o levantamento constante de espaços físicos disponíveis nos quais pudessem ser instaladas atividades de desenvolvimento social.

3. Como a Rede foi construída e como ela se desenvolveu

A primeira providência para a construção da Rede foi a redação de seu projeto  e  de um cronograma de atividades. Dentre essas atividades a mais importante era marcar uma reunião com instituições sociais da área da CR-1 com o propósito de discutirmos a proposta de criação da Rede e maneiras de colocarmos as parcerias em prática, para o que era fundamental que as instituições pudessem disponibilizar recursos sociais em favor de crianças e adolescentes de baixa renda.

Red

O projeto, em sua apresentação, dava conta de que o mundo, durante a década de 1990, estava passando por um processo de esgotamento do Estado em dispor recursos para a área social, em face da grave crise capitalista da década de 1970 (queda do sistema financeiro de Bretton Woods, declínio do Welfare-State, crise do petróleo e crise da dívida externa) e a América Latina vinha passando por uma crise ainda mais aguda, a qual a literatura especializada qualificava de “década perdida”, referindo-se à década de 1980. Esse quadro global de crise, que afetava diretamente o Estado, sobretudo a sua capacidade de atuar no sentido de reduzir a desigualdade social, abriu espaço para o surgimento de dois fenômenos novos: o neoliberalismo, com sua proposta de alargamento do mercado e redução drástica do Estado (Estado mínimo) e as chamadas organizações não-governamentais (ONGs), que atuavam basicamente na área social, ocupando espaços deixados ociosos pelas debilidade e incúria estatais. O declínio da capacidade estatal de investir em desenvolvimento social e a emergência das ONGs favoreceu o surgimento de parcerias entre Estado e instituições privadas da área social, visando maximizar o atendimento às pessoas mais necessitadas materialmente. O trabalho em parceria, em rede, envolvendo organizações públicas e privadas, traz  mais dividendos para todos os parceiros, e mais ainda para as pessoas de baixa renda, do que se cada organização atuar isoladamente. Foi justamente esta a hipótese defendida no projeto elaborado para servir de fundamento para a criação e o desenvolvimento da Rede de Recursos Sociais da CR-1. Outra vantagem destacada no projeto estava no fato de que a Rede não propunha uma parceria formal (com contrato), mas uma parceria informal, pela qual cada organização, governamental ou não, cederia seus recursos segundo seus critérios e sua disponibilidade. O fato de uma instituição não poder ceder recursos não invalidava a sua participação na Rede, por que ela poderia ser uma parceria passiva, ou seja, somente receber recursos para o seu público-alvo interno, o que era uma maneira de a Rede estar contribuindo com pessoas necessitadas materialmente.

Findo o projeto, foi redigido o folder da Rede, o qual definia em poucas palavras o que era a Rede, qual sua concepção teórico-metodológica e como funcionava a sua estrutura, ou seja, um resumo do que foi apresentado no item 2 deste texto.

Após estarem prontos o projeto e o folder, foi emitido um convite a instituições da área da CR-1, conclamando-as a discutir a criação de uma rede de recursos sociais para maximizar o trabalho conjunto em prol de crianças e adolescentes de baixa renda social.

ReuniónA reunião, à qual compareceram 27 instituições, aconteceu na última semana de junho de 1998. Cada um dos presentes fez uma breve apresentação dos propósitos e serviços de sua instituição. A discussão sobre a Rede teve início após essa fase de apresentação, que tinha o objetivo de fazer com que as instituições se conhecessem e umas soubessem dos serviços oferecidos pelas outras, pois, não raramente, acontece de instituições estarem localizadas na mesma área geográfica e não se conhecerem, não interagirem, não trocarem ideias nem serviços. A fase final da discussão foi a apresentação do cronograma da Rede e a entrega de uma ficha de cadastro a cada um dos presentes com a solicitação de que eles a preenchessem. Nessa ficha de cadastro, havia espaços para se colocar os dados básicos da instituição: endereço, serviços prestados, público-alvo, etc. e os recursos que cada uma poderia disponibilizar para a criação do banco de dados da Rede. Recursos esses que seriam oferecidos para todas as instituições parceiras da Rede e também para escolas públicas, associações de moradores de favelas, etc., buscando promover uma rede alternativa e gratuita de divulgação. Algumas instituições preencheram a ficha de cadastro durante a reunião e outras a enviaram nos próximos dias. Com as fichas de cadastro, foi possível formar o banco de dados, no qual eram identificados os dados sobre cada instituição e os recursos oferecidos. Com base nesse banco de dados, passou-se à fase de divulgar os recursos da Rede. A divulgação consistia em digitar todos os recursos em uma folha de papel, que com o tempo chegaram a ser nove folhas. Essa divulgação era endereçada às instituições parceiras da Rede, escolas públicas, associações de moradores,etc. Em pouco tempo, dezenas de crianças e adolescentes passaram a procurar a sede da Rede para se inscreverem nos recursos ofertados. As crianças e adolescentes deveriam estar acompanhadas dos pais ou responsáveis, os quais deveriam assinar uma ficha de autorização, além de  apresentar um comprovante de matrícula em uma escola pública e cumprir os requisitos enviados pela instituição que oferecia o recurso.
 
FichaAs ofertas de recursos iam aumentando paulatinamente à medida que novas instituições, e até pessoas físicas, tornavam-se parceiras da Rede. Como saldo positivo do ponto de vista quantitativo, a Rede inscreveu, em oito meses de existência, 917 crianças e adolescentes em diversos recursos oferecidos pelas instituições parceiras. Entre esses recursos, podemos destacar cursos diversos, passeios, tratamento odontológico, consultas médicas, exames médicos laboratoriais, palestras-debates, encaminhamento de adolescentes a estágios (alguns remunerados), etc.

A Rede também promoveu palestras-debates e cursos para educadores sociais que trabalhavam com crianças e adolescentes. Houve também palestras-debates para pais ou responsáveis de crianças e adolescentes.

4. Conclusão

Teatro del oprimido

Acabamos de ver um exemplo de como é possível desenvolver ações de desenvolvimento social em prol dos menos favorecidos materialmente, atuando com criatividade, um mínimo de burocracia, agilidade e sem dispor de recursos econômicos, investindo em uma relação de parceria na qual cada parceiro, seja pessoa física ou jurídica, oferece gratuitamente um (ou mais de um) recurso social para a construção de um banco de dados visando formar um conjunto dos recursos oferecidos.

ActividadA Rede de Recursos Sociais da CR-1 é um exemplo de um projeto e programa em favor de crianças e adolescentes de baixa renda, que tinha como objetivo fundamental despertar e desenvolver a consciência crítica dessas crianças e adolescentes para fortalecer a sua capacidade de fazer escolhas que a colocassem a salvo de penetrar por caminhos de marginalidade e/ou criminalidade. Uma Rede orientada por uma proposta teórico-metodológica que tinha como parâmetros Antonio Gramsci, Bertolt Brecht, Paulo Freire e o Teatro do Oprimido elaborado por Augusto Boal. Uma Rede criada não pelo nível central da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, mas criada na periferia da máquina governamental, ou seja, criada na CR-1. É desejável que este relato sirva de exemplo a instituições sociais e  educadores sociais de que é possível  ajudar a diminuir a desigualdade sociocultural de forma criativa, conscientizadora  e com poucos recursos econômicos, utilizando mais a imaginação e a paixão do que a racionalidade burocrática.

Bibliografía

Referências bibliográficas

Boal, A. (1975). Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

Brecht, B. (1977). “A exceção e a regra”. En Brecht, B. Teatro de Bertolt Brecht. V.3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

_______. O analfabeto político. www.pucrs.br/mj/poema-patria-39.php (acesso em 19/05/2013).

Freire, P. (1982). Ação cultural para a liberdade e outros escritos.8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.

______. (2001). Política e educação. 6ª ed. São Paulo: Cortez.

______. (2003). A importância do ato de ler. 44ª ed. São Paulo: Cortez.

Gramsci, A. (2004). Cadernos do cárcere. Vol. 1. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

1.- Professor universitário. Pós-doutorando em História Social (USP-Universidade de São Paulo). Doutor em Sociologia (UFRJ-Universidade Federal do Rio de Janeiro). Mestre em Ciência Política (UNICAMP-Universidade Estadual de Campinas). Pós-graduado em Filosofia Contemporânea (UERJ-Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Pós-graduado em Sociologia Urbana (UERJ-Universidade Estadual do Rio de Janeiro). viniciusbandera@gmail.com