Elisa Dias, Docente na Escola Superior de Educação de Bragança, Instituto Politécnico de Bragança; membro investigador do CITCEM, Universidade do Porto. Evangelina Bonifácio, Docente na Escola Superior de Educação de Bragança, Instituto Politécnico de Bragança; membro investigador do GIR Helmantica Paidea, Universidade de Salamanca
En el presente estudio tuvimos como objetivo desvelar la(s) formas(s) de conceptualización de la profesión de Educador Social a partir de las percepciones de los estudiantes que se encontraban finalizando el 1° ciclo de estudios en Educación Social, en una Escuela de Enseñanza Superior pública. Pretendemos con este enfoque percibir cuáles son los aspectos invisibles e invisibles que los estudiantes asocian a su futura profesión, es decir, erradicado así posibles prejuicios.
A nivel de estudio empírico recurrimos a una metodología cualitativa, aplicando la técnica de análisis de contenido y un procedimiento de categorización -a posteriori- sobre los Icebergs del Ecuador Social construidos por los estudiantes.
Com o presente estudo tivemos como objetivo desvelar a(s) forma(s) de concetualização da profissão de Educador Social a partir das “visões” de estudantes que se encontravam a finalizar o 1º ciclo de estudos em Educação Social, numa Escola de Ensino Superior Público. Pretendemos com esta abordagem perceber quais os aspetos invisíveis e os aspetos visíveis que os estudantes associam à sua futura profissão, ou seja, desocultando assim possíveis (pre)conceitos.
Ao nível do estudo empírico recorremos a uma metodologia qualitativa, aplicando a técnica de análise de conteúdo e um procedimento de categorização a posteriori aos Icebergs do Educador Social construídos pelos estudantes.
The goal of the present study was to unveil the ways of conceiving the profession of Social Educator, through the visions of the students who were finishing the first cycle of studies of Social Education, in a Public School of Higher Education.
With this approach, we intend to perceive the invisible and the visible aspects that the students associate to their future profession, while uncovering possible preconceptions.
Regarding the empirical study, we opted to use a qualitative methodology, applying the technique of content analysis and a procedure of “a posteriori” categorization of the “Icebergs of the Social Educator” the students had built.
A valorização de uma identidade profissional passa antes de mais pela identificação e reconhecimento do próprio profissional com os valores e as competências que lhe são adstritas. Este caminho que se faz no sentido da profissionalidade como virtude, entendendo-a na linha de Camps como “la capacidad de ejercer correctamente una determinada profesíón” (2005:185), corresponde na Educação Social a uma trajetória recente e inacabada.
Há naturalmente uma ética, uma deontologia e uma matriz epistemológica e praxiológica inerentes a cada profissão, que se vai afirmando socialmente como um campo de atuação próprio. No que refere ao Educador Social considerando a” hibridez” da sua formação/atuação torna-se mais difícil o seu reconhecimento pelo social. Na ótica de Diaz (2006), a ação destes profissionais, pauta-se pela procura de resposta a determinados problemas e necessidades de pessoas ou grupos, que se encontram em situações de risco ou de necessidade social, ao mesmo tempo que tentam promover a qualidade de vida destes cidadãos. Esta intervenção que tem uma natureza distintiva da mera assistência social, centra-se da interdependência entre o educacional e o social, pelo que envolve a complexidade que quer o educacional, quer o social comportam.
Apesar do quadro de referência formativo da Licenciatura em Educação Social contemplar as vertentes anteriormente descritas, importa perceber como é que os futuros Educadores Sociais, enquanto educandos perspetivam a sua futura profissão. Nesta medida, partimos de Icebergs do Educador Social, construídos pelos estudantes, considerando aquele que é para estes o lado visível e o lado invisível da profissão. Ancorada nos Icebergs dos estudantes conseguimos perceber quais são os conceitos e eventuais (pre)conceitos sobre a profissão, aplicando como técnica de investigação a análise de conteúdo.
Pretendemos com esta abordagem contribuir para dissipar falsas perceções e para a afirmação de uma formação que vise efetivamente ajudar os estudantes a incorporar a profissionalidade como virtude. Admite-se, nessa perspetiva, que tal traduz o sentido de coesão identitária, remetendo para os modos de ser e de fazer característicos de um grupo profissional “(…) pautando a qualidade do seu exercício por critérios de excelência“ (Baptista, 2012:43).
A seleção da amostra não foi casual, obedecendo a uma lógica de conveniência, logo não aleatória. Envolveu estudantes do 3º ano do 1.º ciclo de formação em Educação Social dos cursos adaptados a Bolonha, de uma Instituição do Ensino Superior Público. Neste sentido, a amostra propriamente dita foi constituída por trinta e quatro futuros educadores sociais, vinte e oito do sexo feminino e seis do sexo masculino.
Em contexto de sala de aula e no âmbito da unidade curricular de Educação de Adultos, a dezoito de abril de dois mil e dezassete, propôs-se aos estudantes que completassem o Iceberg do Educador Social. Esta técnica de dinâmica de grupo permitia-lhes expressarem-se livremente sobre os (pre)conceitos/valores que associam àquela que será a sua futura profissão.
A utilização do Iceberg como instrumento de dinâmica de grupo tem por fundamento a metáfora de Freud (cit. por Nunes, 2015) em que ele comparou o psiquismo do ser humano com um “iceberg”, ou seja, a parte visível da “montanha de gelo” (equivaleria ao consciente da mente) que é relativamente inócua e muitíssimo menor do que a parte que fica oculta, imersa no oceano (corresponde ao inconsciente), a qual é a grande responsável pelas “colisões e tragédias”. Apesar do recurso ao iceberg poder conduzir à emergência e revelação de possíveis medos, receios e preconceitos que os estudantes possam deter relativamente à sua futura profissão, a intencionalidade neste estudo recai na identificação do lado invisível e do lado visível da profissão.
A título ilustrativo apresentamos um exemplo de um iceberg preenchido por um estudante:
Figura nº1– Iceberg do Educador Social
A partir dos Icebergs procedeu-se à aplicação da técnica de investigação de análise de conteúdo. Esta técnica consiste na “codificação” do conteúdo latente nos próprios “discursos”, na procura de significações que caracterizam a realidade interpretada pelos sujeitos. Para Bardin (1995) a intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção, já nas palavras de Jean-Pierre Hiernaux (1997) a análise de conteúdo centra-se no sentido dos textos e dos discursos, tentando aceder às diferentes formas de significação das realidades, procurando aproximar o “conteúdo” do “sentido”.
A informação contida nos Icebergs foi analisada e, posteriormente, foi agrupada em categorias e subcategorias, atendendo à presença de conceções semelhantes (De Ketele e Roegiers, 1993, Bardin, 1995). Esta categorização foi realizada a posteriori, pelo que corresponde a um procedimento “por milha” (Bardin, 1995), isto é, quando efetuamos o agrupamento das unidades de registo não obedecemos a um quadro de categorias rígido e previamente definido. Este procedimento permitiu-nos uma maior liberdade e flexibilidade na interpretação da informação analisada. A seguir apresentam-se os principais temas e categorias identificadas na figura nº 2.
Figura nº 2- Distribuição por temas e categorias identificados
Na figura nº 2 percebemos que quer no plano visível, quer no plano invisível as leituras dos estudantes decorrem de um olhar triádico do Educador Social, que categorizamos da seguinte forma: plano epistémico da atuação; plano praxiológico e ontopoiético e plano axiológico. Tentaremos a seguir, através da identificação de subcategorias e da sua análise perceber a hierarquização desses planos e dos níveis visível e invisível da profissão de Educador Social segundo os estudantes.
Sobre os registos que foram tidos em consideração nesta investigação, e a partir da análise de conteúdo, designadamente para este tema, destacamos as categorias e as subcategorias que se apresentam de seguida para o Tema I – Plano invisível do Educador Social.
Tabela nº 1 – Categorias e subcategorias do Tema I – Plano invisível do Educador Social
Na categoria 1.1. Plano epistémico de atuação sobressaem como subcategorias com maior número de ocorrências dos indicadores o entendimento do Educador Social como portador de um Saber em construção, com um total de 17 unidades de registo. Se é um facto que todo o conhecimento científico está em constante evolução, o que é destacado nos indicadores enunciados pelos estudantes: “aprendizagem”; “estudo”; “a vontade de aprender”; “aperfeiçoamento”, a valorização epistemológica do erro ganha aqui um reconhecimento que nem sempre é assumido por outros profissionais.
A dimensão construtiva do erro, em indicadores como “falhas e erros”; “ os erros construtivos”; “tentativas falhadas”, apesar de se situarem na leitura dos estudantes sobre a parte invisível da atuação do Educador Social assume um estatuto epistémico que se aproxima da linha Popperiana quando este afirma que: “(…) Penso, contudo, que a observação de que a ciência começa e termina com problemas é talvez um pouco mais informativa do que a observação de que a ciência começa e termina com teorias” (Popper, 2009:251).
Não obstante, a complexidade da intervenção socioeducativa obriga, como explanam Carvalho e Baptista, a estabelecer novas relações entre a teoria e a prática, conduzindo a que se identifiquem algumas dificuldades na prática profissional do Educador, tais como:
“(…) • choque entre a complexidade inextricável das situações concretas e o reducionismo das perspetivas disciplinares;
• diferença entre a utilização da verdade como critério de validação das teorias científicas e a eficácia enquanto critério das acções socioeducativas;
• Incongruência entre a busca e coerência interna característica das teorias e a incontornabilidade da conflitualidade e da paradoxalidade inerentes aos processos da prática” (2004: 58).
Ainda no âmbito da categoria 1.1. Plano epistémico de atuação outra subcategoria que se evidencia é a 1.1.4. Saber técnico com um total de 10 unidades de registo, destacando aspetos como o domínio da “análise de necessidades”; “diagnóstico”; “avaliação”; “saber acompanhar”; “metodologias”. Esta dimensão técnica da natureza do conhecimento associado à profissão pelos estudantes parece-nos decorrer do entendimento da própria Pedagogia Social como ciência matriz da Educação Social. A Pedagogia Social permite fundamentar e orientar a intervenção socioeducativa, mas importa ao nível da formação dos Educadores Sociais evitar o enviesamento desta leitura da pedagogia, como alerta Carvalho (1996), deve-se, pois:
“(…) evitar transformar a pedagogia numa tecnologia da ação”, despojada da sua matriz axiológica e dos seus princípios educativos. O seu objecto de estudo é afinal um objecto-projecto, o que significa que a sua formulação epistemológica depende, em grande parte, da perspectiva filosófica que for assumida” (cit. por Carvalho e Baptista, 2004:59).
Nas leituras decorrentes dos Icebergs dos estudantes ganham igual valor as subcategorias 1.1.1. Saber reflexivo e 1.1.3. Saber teórico, cada uma com 4 unidades de registo. A dimensão reflexiva da profissão parece-nos carecer de uma maior centralidade formativa. Os estudantes parecem não alcançar a relevância de evitarem ser o que Carvalho e Baptista designam por “(…) consumidor passivo de conceitos e até mesmo de valores sociais (…)” (2004: 85). Esta dificuldade dos estudantes em percecionar ou reconhecer o Educador Social como um profissional reflexivo, julgamos decorrer da ausência de uma cultura reflexiva que atravessa todas as modalidades educativas: formais, não formais e informais. A própria sociedade está imersa numa cultura do imediato, da rapidez, da eficácia “mensurável”, do volátil, não alimentando por isso cenários reflexivos.
Apesar de não surgir como subcategoria de maior destaque a 1.1.5. Inteligência Emocional (apenas com 5 unidades de registo), consideramos interessante os estudantes referirem a importância de disciplinar as próprias emoções. Quando se avizinha uma práxis que vai colocar os estudantes frente a frente com a vulnerabilidade, precariedade, a exclusão social é humano que as emoções sejam difíceis de autorregular, mas é uma exigência para a manutenção da coerência e consistência da intervenção socioeducativa que aqueles sejam capazes desse controlo.
Percebemos que as competências técnicas não são suficientes para agir com profissionalidade, como efeito
“(…) enquanto profissional para quem ‘a condição humana está no coração da acção educativa’ (…) para além de competências técnicas, tem de também de se apropriar de competências informais tais como o autodomínio, a abertura ao outro e a capacidade de enfrentar o risco e o sofrimento”(Carvalho e Baptista, 2004:58).
Passando para a categoria 1.2. Plano praxiológico e ontopoiético, pela exploração que realizamos aos documentos tornou-se evidente o destaque da subcategoria 1.2.4. Capacidade de resiliência com 75 unidades de registo, alcançando o maior número de ocorrências de todas as subcategorias quer do plano invisível quer do visível. Os estudantes assumem claramente que a sua futura profissão exigirá muito deles, sentimento que materializam em expressões como: “trabalho duro”; “esforço”; “stress”; “persistência”; “batalhas”; “sobrevivências”; “resiliência”. A capacidade de resiliência, apesar de não se encontrar no lado visível de atuação do Educador Social, segundo os estudantes, é o seu substrato.
Outras das subcategorias com mais unidades de registo são a 1.2.6. Reconhecimento vs desconhecimento da profissão (com 17 ocorrências), a 1.2.2. Função Sociocultural (com 16 ocorrências) e a 1.2.1. Função (re)educativa (com 15 ocorrências).
No plano interpretativo dos estudantes, estes vivem com o (pre)conceito da ausência de reconhecimento da sua futura profissão. Tratar-se-á de um preconceito se pensarmos que estamos a referir-nos a uma profissão com uma história recente, cuja afirmação ainda está a ser conquistada, portanto necessita de ser conhecida para depois poder ser reconhecida.
Quanto à função sociocultural da Educação Social é sobejamente apologizada por vários autores, designadamente Ortega (1999) que
“(…) afirma que a educação social é ou seria fundamentalmente a dinamização activa das condições educativas da cultura, da vida social e dos seus indivíduos e a compensação, normalização ou, até, a reeducação da dificuldade e do conflito social. Portanto, uma educação social assim entendida promove e dinamiza uma sociedade que educa e uma educação que socializa, integra e ajuda a evitar, equilibrar e reparar o risco, a dificuldade ou o conflito social” (cit. por Soriano Diaz, 2006:89).
Integrada na cultura de “bem-estar”, a educação social deve promover processos de emancipação do sujeito, contrariando as diferentes formas de marginalização e exclusão social. Isto sempre numa lógica não assistencial, pois a sociedade não se pode constituir como um mero puzzle de ipseidades, em que cada uma tem de se ajustar/encaixar adequadamente na outra, mas sim abrir espaço para a evolução e mudanças construtivas e humanistas. Este processo emancipatório que o Educador Social deve mediar é realizado a partir das condições/circunstâncias reais. Como afirma Caride e Meira “importa afirmar em cada pessoa o seu protagonismo como sujeito e agente dos processos de mudança social, desde o seu meio imediato” (2004:271). Contribuir assim para que num horizonte da pedagogia crítica e numa linha Freiriana, os indivíduos não sejam “consciências ingénuas”, mas “consciências críticas”, problematizadoras do real considerando que o objeto da educação é o coletivo e não apenas a pessoa.
Intrinsecamente imbricada nesta dimensão sociocultural encontra-se a função (re)educativa da Educação Social. Assumindo-se como agente educativo, o Educador Social tem de ter presente todos os contextos formais, não formais e informais da educação entendendo a educação como paidocenosis e a sua perceção como uma realidade ao longo da vida. Assume-se também nesta linha a (re)educação como instrumento de inclusão social e necessariamente como fazendo face a possíveis formas de estigmatização e marginalização social. É nesta lógica que Caride, Bradaílle e Caballo entendem o compromisso da Pedagogia Social e da Educação Social:
“… proyectar en su defensa radical de lo cívico y de la ciudadanía, de los derechos y deberes inherentes a la capacidad de elegir; pero también, en la posibilidad de contribuir a resolver conflictos, de ejercer la tolerancia y la solidaridad, de afirmar las convicciones éticas y morales, de vigorizar la democracia cultural y la participación social, de apreciar la paz, de contribuir a la formación e inserción laboral, o de poner en valor el respeto al medio ambiente y la diversidad cultural. Cuando esto ocurre, “lo” social deviene en pedagógico y educativo per se, aunque debamos precisar cuánto hay de contexto (realidad), pretexto (motivación) o texto (contenido y método) ajustado a tales propósitos. (…)” (2015:7).
Nesta função (re)educativa a relação assume-se como o motor do seu sucesso, talvez por isso os estudantes, nossos interlocutores, refiram a importância da Capacidade relacional, com 8 unidades de registo. Esta subcategoria identificada integra o verdadeiro sentido de relação, ao enunciar-se a partir de conceitos como “empatia”; “atento”; “saber ouvir”; “encorajamento”, isto é, um sentido dialógico em que se respeita a alteridade na relação. Também o sentido da tolerância pela diferença é um ingrediente fundamental para o respeito pelo outro e para se efetivar o diálogo e todas as formas de convivência pacífica. Não podemos esquecer que esta capacidade relacional exigida ao Educador Social e extensível a qualquer Educador formal, remete para a exigência de outra capacidade no Educador Social: a de adaptação à diversidade.
A subcategoria 1.2.5 Capacidade de adaptação à diversidade, construída a partir de 6 unidades de registo é facilmente entendível, porque é “conatural” à própria profissão de Educador Social. Isto porque, a diversidade de públicos, faixas etárias, domínios de intervenção e contextos socioculturais constituem-se como o palco de atuação da Educação Social.
No Plano axiológico (categoria 1.3.) emergiram da nossa análise 4 subcategorias, designadamente: 1.3.1. Dimensão epicurista; 1.3.2. Dimensão ética da autenticidade, 1.3.3. Dimensão humanista, 1.3.4. Dimensão deontológica. Destas subcategorias surge curiosamente com um maior número de unidades de registo (26) a que identificamos como Dimensão epicurista.
A ética de Epicuro surge como resposta deste filósofo grego ao desencanto pela vida da pólis. Trata-se de uma perspetiva ética que visa a felicidade do indivíduo na sua singularidade existencial. Epicuro considera a vida humana como um desafio que se preocupa com a procura da felicidade, entendida como prazer, que está vinculada a um certo controlo exercido pela inteligência que faz uma análise das consequências que o simples aparecimento do desejo pode acarretar. “Para Epicuro, portanto, o verdadeiro prazer vem a ser a ausência de dor no corpo (aponía) e a falta de perturbação da alma (ataraxía)” (Gomes, 200:157).
Assim, o ser humano deve viver para ser feliz, mas a sabedoria deve intervir analisando as diversas aspirações humanas em ordem a superar tudo quanto ameace o bem-estar do corpo. Tal é o convite à moderação que, para o epicurismo, o único prazer totalmente satisfatório é o prazer intelectual, o que pressupõe uma disciplina dos prazeres e dos desejos, dado que não possuem um valor igual, considerando que não há prazer onde não exista virtude, sendo a mais importante a sabedoria, que suscita a autonomia e tranquilidade que possibilitam a plena realização de cada indivíduo. Assumem o ideal da ataraxia que se traduz num estado de imperturbabilidade do espírito acompanhado pela tranquilidade do corpo. A realização do prazer como critério ético para uma vida feliz leva-o a considerar a amizade mais valiosa que a participação cívica, porque esta provoca frequentemente sofrimento.
Salvaguardando as devidas distância histórico-culturais que separam a realidade existencial dos nossos estudantes em relação a Epicuro, importa destacar esta consciência de que ao Educador Social é exigido um autocontrolo intelectual, os sacrifícios, a dor, a revolta, a tristeza, em prol de um bem maior, um prazer maior, que aqui assume uma dimensão altruísta.
Logo seguida da subcategoria anteriormente explorada, emergiu com 20 unidades de registo aquela que designamos como 1.3.4. Dimensão deontológica. Naturalmente que os estudantes percebem que a sua práxis como Educadores Sociais exige uma sustentação num código de conduta que delimita os valores e as normas que devem sempre respeitar. Desta forma, parecem já expressar o que será o seu compromisso enquanto futuros profissionais assumindo este desígnio “perante si-mesmos e perante os outros, os educandos, os colegas, a instituição e a comunidade. Um compromisso que deverá encontrar tradução no plano normativo, através de declarações, cartas, ou códigos de conduta moral”(Baptista, 2012:43)
Nos Icebergs dos estudantes identificamos também a ética da autenticidade com 11 unidades de registo, expressas em valores como “solidariedade”; “compromisso”; “identidade”; “coerência”; “compreensão”; “frontalidade”. Recorremos à noção de ética da autenticidade para designar uma subcategoria que à semelhança do teorizado por Charles Taylor (2000) destaca a importância de estabelecer uma relação de equilíbrio entre o contexto da vivência da multiculturalidade e a preservação da autenticidade.
A solução de Taylor consiste em assumir o conceito de autenticidade no sentido comunitário, isto é de pessoa, como ser naturalmente aberto ao próximo, lugar da realização do autêntico. Contrariando o atomismo social, mas salvaguardando o respeito pala autonomia individual e pela identidade, Taylor (2000) reconhece a importância de um “individualismo holista” “como uma importante tendência de pensamento plenamente cônscia da inserção social (ontológica) dos agentes humanos, mas que, ao mesmo tempo, valoriza muito a liberdade e as diferenças individuais” (cit. por Silveira, Rocha e Cardoso, 2018:21).
A ética da autenticidade deve evidentemente intercetar o que entendemos por dimensão humanista do Educador Social. Identificada como subcategoria 1.3.3. Dimensão humanista, resultando do agrupar de 7 unidades de registo, nela os estudantes expressam-se através de conceitos como “humano”; “carinho”; “amor em ajudar o próximo”. Os estudantes percebem claramente que respeitar a humanidade do outro pressupõe estabelecer uma relação interpessoal baseada no respeito pela diferença e pela autonomia. Assim, “a relação interpessoal constitui o acontecimento ético por excelência na medida em que confronta a subjetividade como outra subjetividade, que o mesmo é dizer com outra interioridade e todos os seus segredos” (Carvalho e Baptista, 2004:80). Isto remete-nos para a exigência de uma ética da hospitalidade. Nesse sentido, ao falar de hospitalidade pretende-se evidenciar a forma como é dado lugar ao outro, traduzindo-se no modo de ser e no modo de encontro recíproco entre pessoas. Considera-se que a hospitalidade, ao fazer culminar nela a energia “relacional e conflitual do encontro, é propiciadora da aventura da própria existência, detendo assim por isso um estatuto antropológico central e não apenas ocasional” (Carvalho, 2014:187-188).
Seguindo a mesma metodologia interpretativa, passamos a destacar as categorias e as subcategorias que se apresentam de seguida relativamente ao Tema II – Plano visível do Educador Social. Na tabela nº 2 fazemos uma apresentação sumária dessas categorias e subcategorias.
Tabela nº 2– Categorias e subcategorias do Tema II – Plano visível do Educador Social
À semelhança do que perspetivaram no plano invisível do Educador social também no plano visível e concretamente na categoria 2.2.1. Plano epistémico de atuação, os estudantes reconhecem a eminência do erro, mas aqui apenas com uma unidade de registo. Isto poderá significar que para os estudantes, o que deve ser visível é a eficácia, o rigor e a consistência.
Esta linha interpretativa conduz os estudantes a valorizarem a formação (subcategoria 2.1.2.) como essencial com 2 unidades de registo e também a criatividade e inovação (subcategoria 2.1.4.) com 3 unidades de registo. A assunção de uma “cultura profissional” (Carvalho e Baptista, 2004, 90) é fundamental para o desempenho adequado do Educador Social, dada a complexidade e diversidade das realidades indivíduas e grupais com quem intervém, exigindo-lhe uma atualização contínua das suas competências profissionais. Como reconhecem Carvalho e Baptista:
“a cultura profissional – a traduzir-se em competências profissionais – é, antes de mais, uma exigência ética imposta pelo carácter eminentemente humano – em que os critérios da hospitalidade acabam por imperar sobre os da urgência – das actuações do educador social” (2004:90).
Assumindo um maior destaque (como 8 unidades de registo) os estudantes identificam a Identidade profissional (subcategoria 2.1.1.). A afirmação da identidade profissional do Educador Social é ainda uma realidade em construção, que tem ganho terreno, segundo Azevedo e Correia (2013) essencialmente com a centralidade da defesa dos Direitos Humanos e consequentemente dos ideais humanitários de igualdade social, justiça, solidariedade, fraternidade e hospitalidade, a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem e também com o fim do monopólio da educação formal. A Educação formal deixou de ser a única que merece o investimento político e social, a educação entendida como uma realidade ao longo da vida abre espaço para as modalidades formais e não formais e consequentemente a valorização de novas realidades educativas, designadamente a aprendizagem e formação experiencial considerando que “a aprendizagem e a formação experiencial são processos de aquisição de saberes que têm origem na globalidade de vida das pessoas, ou seja, associados à modalidade da educação informal” (Cavaco, 2002: 39).
No que refere ao plano praxiológico e ontopoiético os estudantes revisitam conceitos relativos às subcategorias Função (re)educativa; Função sociocultural; Capacidade relacional; Capacidade de resiliência e Capacidade de adaptação à diversidade, respetivamente com 18, 18, 24, 19 e 5 unidades de registo. Sobressai nesta hermenêutica que os estudantes consideram a capacidade relacional como um dos grandes aspetos visíveis da sua intervenção. Com efeito, e Educador Social ao assumir um papel de facilitador, de mediador, de orientador e de pedagogo incorpora o verdadeiro sentido dialógico da relação educativa. Percebendo com clareza que:
“Educar não significa, unicamente, facilitar o desenvolvimento do indivíduo, mas, principalmente, orientar este desenvolvimento na melhor direcção, e, sobretudo, suscitar e reforçar, no indivíduo, o sentimento de responsabilidade.
(…) Cada educando, como pessoa que é, é um mundo em si mesmo, e cada tentativa de aplicação de uma lei pedagógica a um educando é um atentado à sua própria individualidade e à sua dignidade como pessoa e, daí, o grande risco que corre o educador que esquece um tal princípio” (Fernandes, 1990:17-20).
O Educador Social é enquanto promotor da condição humana “um técnico da relação” (Carvalho e Baptista, 2004: 95) ao liderar o próprio processo pedagógico. A capacidade relacional está embebida na construção de um vínculo de confiança, pois só este pode dar lugar ao seguinte: “(…) uma promessa tácita cria o vínculo entre o apelo do frágil e a resposta da responsabilidade” (Pérez Serrano, 2008:18).
No plano visível, os nossos interlocutores, destacam ainda a Capacidade de favorecer a inclusão social (subcategoria com 6 unidades de registo); a Capacidade de prestar assistência (com 3 unidades de registo) e a Capacidade de construir e gerir projetos socioeducativos (com 16 unidades de registo).
A necessidade deste profissional ter de possuir competências para intervir no campo da inclusão social encontra-se justificado pelas mutações sociais e pelo desenvolvimento tecnológico e os novos modos de vida que tornaram ainda mais evidentes as situações de marginalização e exclusão já existentes e contribuíram para o aparecimento de novas formas de exclusão assentes na precaridade económica e social dos grupos mais fragilizados/ vulneráveis.
Apesar da insistência formativa numa leitura não assistencial do Educador Social, ainda encontramos 3 registos desta conceção. Com efeito o Educador trabalha com os indivíduos/grupos e não para eles, ou seja, o compromisso com qualquer projeto de intervenção socioeducativa é assumido na co-construção do mesmo.
Talvez esta leitura assistencial do Educador Social, realizada por alguns estudantes resulte ainda de alguns preconceitos socioculturais acerca da intervenção do Educador Social decorrentes de uma interpretação (limitada) deste como Técnico Social.
Não nos surpreende o facto de os estudantes valorizarem em grande escala a capacidade de construir e gerir projetos socioeducativos, pois estes constituem as realidades mensuráveis e distintivas da intervenção do Educador Social. A importância do processo de sistematização da intervenção social conduz a que aquela seja realizada com a participação e corresponsabilização de todos os envolvidos. Pérez Serrano (2008) recupera a definição de projeto social proposta por Ander-Egg (1981) ou seja: “como aquisição de um conjunto de saberes e como resultado dessa aquisição; como estilo de ser, de fazer e de pensar e como conjunto de obras e instituições; como criação de um destino pessoal e coletivo” (cit. por Pérez Serrano, 2008:16).
No plano axiológico, os Icebergs dos estudantes denotam uma valorização da Dimensão humanista e da Dimensão ética da autenticidade, ambas com 3 unidades de registo, mas o destaque vai para a Dimensão deontológica com 5 unidades de registo. Apesar de esta diferença ser facilmente compreensível, uma vez que estamos a referir-nos a um plano visível de atuação do próprio Educador Social, não podemos ignorar o facto dela ter assumido também grande realce no plano invisível de atuação.
Tornar-se Educador social exigirá, nas leituras favorecidas pelos Icebergs dos estudantes ter competências cognitivas, técnicas, sociais, culturais e emocionais em permanente atualização e todas elas ancoradas na capacidade de resiliência.
Pôr à prova a sua própria humanidade reclama do futuro profissional da Educação Social uma Dimensão epicurista e um Dimensão ética da autenticidade e a assunção clara da deontologia profissional. É o reconhecimento de que a capacidade de escolher perante as condições empíricas, as inclinações, os valores é o verdadeiro exercício de sermos humanos. Segundo Arendt (2004) a personalidade é uma atualização constante da singularidade de alguém mediante o exercício constante da capacidade de pensar, contínua e reiterada a cada nova situação. Para esta autora a condição de autoconsciência e, portanto, de estabelecer padrões para os seus próprios compromissos de consciência é falar consigo mesmo. Foi precisamente este diálogo que tentamos que os estudantes assumissem para poderem exercer a sua futura profissão em toda a plenitude.
Trabalhar humanamente com o “outro” exige, da parte do Educador Social, um doseamento entre assumir-se como pedagogo (do étimo grego paidagogos), no sentido de conduzir o “educando” e ser respeitador/promotor da autonomia. Isto significa, que a capacidade relacional pode ser a chave do exercício adequado da profissão, pois (re)estabelecer consigo mesmo e como os outros o “diálogo” é certamente um caminho de abertura à participação sociocultural.
Numa sociedade “heterogénea” construir pontes de comunicação nem sempre é fácil, ser o pilar dessas pontes ainda é mais difícil e exigente. O Educador Social tem atualmente esta árdua tarefa de ser um mediador intercultural, um tradutor que facilita a intercompreensão (Vieira e Vieira, 2016), um elemento fundamental na construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais inclusiva, mais pacífica, mais autêntica, mais sustentável.
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